sábado, 4 de abril de 2015

A propósito da deixação de armas: História de compromissos descumpridos

Por Luis Jairo Ramírez H
Santos deve entender que a oligarquia deve renunciar a suas práticas políticas violentas, que a convivência democrática exige a desmilitarização total da vida nacional e o reconhecimento pleno da oposição de esquerda.
Por estes dias, a direita do país e seus meios de imprensa puseram o grito no céu quando os insurgentes que dialogam em Havana disseram que os acordos de paz não implicam a entrega de armas e que não cumprirão um dia de cárcere, porque com o levantamento armado exerceram o direito à rebelião contra a tirania de um regime sanguinário que durante 60 anos privou o país da democracia e das liberdades públicas.
Este tema há que ser abordado à luz da história colombiana, abarrotada de fatos que nos mostram uns governantes dos partidos tradicionais acostumados ao descumprimento de suas promessas e compromissos. Por isso, 60% dos eleitores se abstêm, porque os politiqueiros, uma vez eleitos, fazem todo o contrário do que prometeram.
As castas liberal-conservadoras argumentam folcloricamente que num país democrático como Colômbia, com divisão de poderes, não se justifica a rebelião armada; pretendem ignorar deliberadamente que aqui não só não houve democracia durante 200 anos, porque se impôs uma longa hegemonia política dos dois partidos tradicionais, como também se recorreu ao uso permanente da violência como forma de governo e com práticas medievais, como o extermínio físico da oposição e dos movimentos sociais.
A burguesia colombiana tem bem ganha sua fama trapaceira. As recentes mobilizações campesinas não exigiam reivindicação alguma; foram para reclamar o cumprimento de compromissos subscritos sete anos atrás. O mesmo passa com duas leis de vítimas que são um completo fracasso, e hoje nos surpreendem com uma lei que, em vez de destinar as terras ociosas aos milhares de campesinos despojados, estão titulando-as para setores empresariais, financeiros e para grandes terra-tenentes.
Já é um saber popular que em Colômbia a oligarquia se acostumou a eliminar fisicamente os seus opositores. Em 1914 é assassinado Rafael Uribe Uribe, considerado um liberal de esquerda, e quem, se não fosse eliminado, teria chegado à presidência; e assim sucessivamente muitos lutadores sociais e políticos caíram nas mãos traiçoeiras da reação direitista, entre eles o líder Jorge Eliécer Gaitán, em 1948, assassinado durante o governo conservador de Mariano Ospina Pérez; Gaitán contava com um enorme apoio popular para ser eleito presidente do país.
Em 1953 se produziu uma nova cilada com o armistício e a entrega de armas subscrito entre as guerrilhas liberais do Llano [campo], lideradas por Guadalupe Salcedo, e a ditadura militar de Rojas Pinilla. Os guerrilheiros cumpriram com a entrega de armas, porém o governo militar descumpriu com as demandas dos desmobilizados, no chamado Pliego de la Gileña, que continha sete pontos de reparação [Arturo Alape, La paz, la violencia, Editorial Planeta, 1985, pág. 143]; porém, o mais grave é que depois Guadalupe Salcedo e seus companheiros foram assassinados um a um em estado de indefensabilidade pela própria Polícia, todo o qual ficou na impunidade.
Em 1984, como fruto dos diálogos do governo de Belisario Betancur e as FARC, se pactuaram os Acordos de La Uribe. Neles se estipulou o surgimento de um movimento de oposição [a UP] para permitir que a guerrilha se incorporasse paulatinamente à vida legal do país.
As condições que permitiriam esse trânsito à legalidade consistiam num compromisso oficial para garantir plenamente os direitos políticos aos integrantes da nova formação, e a realização de uma série de reformas democráticas para o pleno exercício das liberdades civis, porém o bipartidarismo tradicional, as Forças Militares e o paramilitarismo estatal, como o chamou o próprio Mancuso, burlaram os acordos e se produziu um genocídio brutal contra membros da União Patriótica, frustrando assim os anseios de paz de milhões de colombianos. Até hoje as elites dominantes têm se negado a pedir perdão ao país por estes fatos de enorme brutalidade institucional.
A 20 de novembro de 1985, Óscar William Calvo foi assassinado de forma covarde e pelas costas por efetivos do Exército, quando exercia como porta-voz político durante uma trégua pactuada com o EPL. Depois, em fevereiro de 1987, Ernesto Rojas, comandante geral do EPL, foi detido em Bogotá, torturado e assassinado a sangue frio em operação na qual participou o general Óscar Naranjo.
Posteriormente, Carlos Pizarro, que já tinha sido ferido pelo Exército durante a firma do Acordo de Paz entre o governo e o M-19 [estados de Huila e Cauca], foi assassinado em 26 de abril de 1990, em pleno voo, após firmar a paz no governo de Virgilio Barco e quando era candidato presidencial. Em 1993, também em pleno processo de negociações de paz, foram torturados e assassinados pelo exército Enrique Buendía e Ricardo González, negociadores da Corrente de Renovação Socialista, dissidência do ELN.
A 4 de novembro de 2011, quando já avançavam os intercâmbios para iniciar o processo de paz, em meio a uma intensa operação militar, foi detido e humilhado Alfonso Cano, comandante máximo das FARC, e, após ordem expressa do presidente Santos, assassinado pelo Exército quando se encontrava inerme. Esta sucessão de acontecimentos históricos mostram como em cada negociação com a insurgência os regimes de turno prepararam armadilhas para atentar de forma traiçoeira contra os anseios de paz da população.
Agora, toda a direita e a grande imprensa, a uma só voz, reclamam da guerrilha a entrega de armas, porém não há o desmantelamento da herança paramilitar que Uribe Vélez. Deixou, nem a depuração da Força Pública, envolvida em muitas ocasiões em crimes atrozes contra figuras da vida política nacional e líderes sociais, nem garantias efetivas para que aos guerrilheiros integrados à vida civil se lhes respeite sua integridade e o exercício de sua atividade política.
Nesta ocasião não se pode repetir a história trágica de uma burguesia que trai os pactos e assassina seus opositores, pois um fato tal empurraria a sociedade para uma guerra civil de incalculáveis consequências. Santos deve entender que a oligarquia deve renunciar a suas práticas violentas, que a convivência democrática exige a desmilitarização total da vida nacional e o reconhecimento pleno à oposição de esquerda.



Semanario Voz



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Equipe ANNCOL - Brasil





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