sábado, 25 de abril de 2015

Para que o processo? Para chegar à paz ou para nos submeter?

Termina hoje o ciclo trigésimo quinto dos diálogos de paz de Havana após três dias de importante trabalho. Na Mesa de Conversações, como sempre, se prosseguiu na busca de soluções aos problemas e divergências que levaram ao conflito e a sua cruel realidade no campo de batalha; o tema das vítimas continuou e continua sendo ponto central de nossas preocupações. Por sua parte, a Comissão Técnica integrada por generais e outros oficiais da República e comandantes guerrilheiros se apresta a dar a conhecer as datas de início do plano conjunto de descontaminação do território de materiais explosivos atendendo as necessidades humanitárias do conflito, sem deixar de lado o aperfeiçoamento do programa de desescalada que inclui iniciativas de natureza distinta à já mencionada.
Porém, se bem que entregamos este informe que deveria convidar ao otimismo, manifestamos nossa preocupação pelo que vem sucedendo no território colombiano. Não se pode negar que os fatos ocorridos na noite de 14 deste mês na vereda La Esperanza, município de Buenos Aires, Cauca, não tenha sido uma tragédia. E o foi, porque a guerra é uma enorme tragédia. Em nossa pátria, uma tragédia de mais de meio século. Precisamente por isto nos encontramos em Havana.
O povo não pode seguir caindo pela irresponsabilidade de um Estado todos os dias mais responsável. Cai o povo. O povo de verdade.
Porque nunca nos vimos enfrentados contra soldados de estratos cinco ou seis, porque os filhos dos ricos não vão para a guerra. Curiosamente, estratos estes que, sem preocupar-se pelo que aconteceu na noite do dia 14, clamam ao céu por mais sangue. O sangue alheio, naturalmente.
Que sucedeu? Por que sucedeu? Como sucederam os fatos do [dia] 14? Estes interrogantes parecem não ser da incumbência dessas classes que compõem o regime. E, com o poder dos meios de comunicação em suas mãos, envenenam ao país sem permitir que se estabeleça com serenidade a verdade do ocorrido. Porque não pode haver julgamento certeiro de nenhuma natureza se do que se trata é de envenenar os ânimos e com isso obstaculizar o caminho para a paz.
É que, se de fotografias de cadáveres se trata, basta recordar a vulgar exibição dos corpos destroçados que a chamada autoridade fez dos comandantes guerrilheiros mortos, não em combate, mas sim enquanto dormiam em seus acampamentos.
Porém, o que desejamos manifestar não coincide com a versão governamental do sucedido nessa noite. Nossa aspiração é que nos próximos dias se possa dar resposta aos três interrogantes acima formulados. Isso sim, reconstruindo os movimentos do exército desde as vésperas. Sua chegada à zona: A Comedulce, e seu deslocamento a Naranjal, Bellavista e Betulia. Sua entrada a La Esperanza. Tudo deixando entrever na região que não se tratava de um preparativo para uma festa. E isto em meio à trégua unilateral e por tempo indeterminado declarada pelo Secretariado das FARC-EP a 17 de dezembro de 2014 nos seguintes termos: “...inspirados no direito de gentes, tradição constitucional colombiana e em homenagem a todas as vítimas ocasionadas em razão do conflito que buscamos superar, e em consideração ao trabalho que nos compromete cada dia mais com o espírito traçado na parte motiva da agenda de Havana, e em atenção a que acreditamos que iniciamos um percorrido definitivo para a paz acompanhado de um processo constituinte, resolvemos declarar um CESSAR UNILATERAL AO FOGO E ÀS HOSTILIDADES POR TEMPO INDETERMINADO, que deve se transformar em armistício... Este cessar-fogo unilateral, que desejamos se prolongue no tempo, se daria por terminado somente se se constata que nossas estruturas guerrilheiras foram objeto de ataques por parte da força pública.
Agora, bem: Não vamos cair na armadilha estendida por aqueles que interpretam à sua vontade e capricho aquele aparte de nossa declaração do dia 17 de dezembro que assinala que a trégua chegaria a seu fim constatando-se ataques às estruturas guerrilheiras. Sabemos distinguir entre provocar, incitar, fustigar e atiçar para alcançar um fim prejudicado, e a necessidade imperiosa e o dever de dar uma oportunidade ao povo todo de reconstruir a nação. Como Estamos muito seriamente caminhando pela vereda da paz, não vamos colocá-la em perigo para agradar aos que medem seus êxitos regressando à situação a datas anteriores ao dia em que ordenamos a todas as estruturas das FARC manterem em silêncio suas armas, isso sim, ficando alertas. Por tal motivo, no dia de hoje reiteramos a decisão tomada em dezembro de 2014. Mantemos, então, O CESSAR UNILATERAL AO FOGO E ÀS HOSTILIDADES POR TEMPO INDETERMINADO, enquanto não sejamos objeto do assédio permanente das tropas. Há que entender que há ações ofensivas que se desdobram no marco da legítima defesa.
Chamamos a atenção do país para que o cessar in situ que hoje se reitera para ser mantido pelas estruturas das FARC em todo o país usufrua de uma vedoria. É da natureza do cessar do fogo e de hostilidades que esta se cumpra. Seu êxito radica ali. Há mecanismos para fazê-la. Qual pode ser o argumento para que um cessar ao fogo e de hostilidades não possa gozar de uma vedoria que evite mortes com as ocorridas a 14 deste mês? Tem a palavra o governo.
Para garantir o bom desenvolvimento das conversações com o propósito de culminar exitosamente o traçado no Acordo Geral para a Terminação do Conflito e a Construção de uma Paz Estável e Duradoura, verdadeiro Marco Jurídico para a Paz firmado em Havana em 26 de agosto de 2012, pelos plenipotenciários das partes e representantes dos países auspiciadores, se necessita, na linguagem popular, “temperar os nervos”; ao mesmo tempo, impedir que os interesses partidaristas de conjuntura como são as eleições de outubro próximo, infectem os diálogos; que os ódios nacionais que se percebem em todo escrito, em toda declaração, em todo comentário, se deponham; e que a paz seja de todos e para todos, no bom entendimento de que ao ser o Estado o centro da responsabilidade do acontecido durante os últimos sessenta anos, como se desprende claramente da história recente da Colômbia e de quem não queira tapar o sol com um dedo, para a tranquilidade de todos, para alcançar a verdade do acontecido, e por ser um direito das vítimas, o melhor é que o Presidente Santos e seu governo se aprestem a estudar serena e patrioticamente o cessar bilateral sem morosidades nem temores. Sabe bem o governo que as principais palavras de ordem levantadas pelos marchantes do 9 de abril se relacionavam com a urgência de firmar desde já um cessar-fogo bilateral que ponha fim ao dessangramento, a necessidade de entabular conversações de paz com o Exército de Libertação Nacional e a viabilidade de convocar uma Assembleia Nacional Constituinte como mecanismo de referenda dos acordos alcançados. Com esse mesmo sentimento da multidão dizemos: Não mais mortos. Não mais. E que, para o bem e conhecimento de todos os compatriotas sobre o ocorrido nos últimos sessenta anos, que se abram os arquivos. Que se abram os arquivos!
Como bem o afirma o Comandante das FARC, Timoleón Jiménez, “cada vez o governo parece mais empenhado em reduzir os alcances do processo de paz à aceitação de condenações e penas por parte dos mandos guerrilheiros. Foram múltiplas e incisivas as posturas públicas do Presidente Santos a esse respeito, nas quais não se deixa de ler certo consentimento de advertência final.
Ou nos mostramos dispostos a aceitar essa condição que nunca foi pactuada como premissa das conversações, ou devemos ter claro que não será possível a firma de nenhum acordo. Nada está acordado até que tudo esteja acordado, nos repetiram sempre”. Então, perguntamos: Para que o processo? Para levar a Colômbia à paz e à reconciliação ou para conduzir a insurgência aos tribunais? Há que persistir nas conversações. Estas não podem romper-se por nenhum motivo.

DELEGAÇÃO DE PAZ DAS FARC-EP
La Habana, 20 de abril de 2015
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Equipe ANNCOL - Brasil

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