terça-feira, 28 de abril de 2015

Carta aberta das FARC-EP ao Presidente Santos

No discurso de instalação da última sessão do Conselho Nacional de Paz, o senhor Presidente Santos manifestou que, pelos fatos ocorridos a 14 deste mês na vereda La Esperanza, município de Buenos Aires, Cauca, a bola fica do lado das FARC. Isto, certamente, referindo-se a que os comandantes guerrilheiros devem se manifestar e atuar. Isso, supomos.
A este respeito fomos claros ao manifestar, por ocasião da terminação do ciclo 35 das conversações de Havana, que o acontecido tinha sido uma tragédia. “E o foi [afirmamos] porque a guerra é uma enorme tragédia. Em nossa pátria uma tragédia de mais de meio século. Precisamente por isto nos encontramos em Havana”. E expressamos de maneira serena três interrogantes: “Que sucedeu?”, “Por que sucedeu?” e “Como sucederam os fatos do 14-A?”. Isto com a intenção de manifestar que situações de guerra da natureza que se deram há que evitá-las a todo custo. Por isso, no tópico seguinte insistimos em reiterar a decisão de manter o cessar unilateral e por tempo indeterminado de fogos e hostilidades. O país já pôde constatar os benefícios dessa iniciativa nossa, que, para desgraça da nação, foi recebida por alguns como “uma rosa cheia de espinhos”. Frase que, desde um começo, nos fez entender que qualquer situação crítica de guerra que pudesse ocorrer no caminho teria de ser cobrada sem considerações de tempo, modo e lugar. No entanto, continuamos sustentando a decisão política-militar já tomada. Porém, no lógico entendimento de que, suspenso unilateralmente o fogo sem ter-se solucionado ainda o conflito, se mantém o natural direito à legítima defesa. A quem está quieto, há que deixá-lo quieto.
Bem anotou o Presidente Santos que “é fácil, muito fácil, continuar falando de guerra sentados num escritório ou desde as trincheiras das redes sociais”. Magnífica frase para ser levada em conta quando qualquer contratempo que se apresenta no magno projeto da paz leva os inimigos escondidos e não escondidos da reconciliação, e os sábios de última hora em temas desconhecidos para eles a rasgar-se as vestes e a pedir que se mantenham suas comodidades ao preço de litros de sangue alheio.
As FARC-EP têm sido claras ao manifestarem que a paz é um imperativo. E que está em Havana para cumprir com o acordado com o governo em 26 de agosto de 2012. Seu conteúdo é claro. Está ao alcance de quem o queira conhecer ou ler nos meios eletrônicos de comunicação social. E o colocamos de presente porque comentaristas de ofício e vários burocratas, mais obcecados em agregar tempo a sua carreira para a aposentadoria que em buscar soluções ao conflito, pontificam tendo em conta seu próprio parecer sem nem sequer avaliar o sucedido em nossa pátria nos últimos sessenta anos.
O processo de paz, há que sacá-lo ao outro lado. E rápido. Sem recorrer a mecanismos manhosos e sem prorrogações injustificadas. O Acordo Geral para a Terminação do Conflito é claro. Na agenda se encontram os instrumentos requeridos para chegar à meta desejada. Já que a bola está do nosso lado, no dizer do doutor Santos, se propõe que aceleremos o processo no entendido, sim, de que há tempos dos quais não se pode escapar. A consecução da paz não se conquista com cronômetro na mão, mas sim solucionando temas. Se de celeridade se trata, desde o ciclo 34 de conversações temos todas as propostas referidas a vítimas sobre a mesa. Dito isto, consideramos então que se devem adiantar alguns passos que precipitem a terminação do conflito, para o qual há que deixar a subjetividade de lado e ser práticos.
1 – Sugerimos ao senhor Presidente, de maneira comedida, que o papel que vem assumindo de ativista da paz e fazedor da guerra corresponda mais a seu desejo de aplanar o caminho para uma solução possível de reconciliação e menos a sua necessidade de acender uma vela a deus e outra ao diabo. A política local não deve alterar sua rota. Reconhecemos que vem sendo provocado [para empregar um termo já utilizado por nós outros] e desafiado a partir de colunas de opinião, microfones, salões sociais, cenários políticos e ainda a partir de gabinetes públicos como a vice-presidência, de onde se atreveram a indicar-lhe como deve proceder. É indispensável a manutenção de sua serenidade.
2 – Não conseguimos entender por que na Mesa se prorrogam ou retardam decisões que deveriam ser tomadas há meses. Exigimos apressar a marcha quando se trata de assuntos de total obviedade. Desde que pusemos em consideração a criação da Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas até o momento de sua integração, transcorreu um ano e três meses. E, uma vez entregue o informe, tem sido impossível dar trâmite a suas conclusões. O desgaste para alcançar algo tão importante para o país e para o fim do conflito é inexplicável. Muito mais quando ex-presidentes, o próprio Chefe de Estado e aqueles que sabem de história da Colômbia reconhecem que o conflito tem se estendido por mais de 50 anos. Afirmam-no e o reiteram.
Não existe quem, conhecendo os informes dos comissionados –todos eles vindos de procedências díspares e de origens ideológicas contrapostas-, não conclua que se dá uma responsabilidade do Estado por ação ou por omissão, pela tragédia surgida há décadas e que ainda persiste. Dali que se fale de um número significativo de vitimários procedentes de setores diversos da sociedade colombiana.
Assim as coisas, propomos ao país:
  1. Que se difunda massivamente o aludido informe. Imperante esta necessidade. Urgente. Deve-se enviar a todos os rincões do país para seu estudo e consideração. Às universidades, colégios normais, para que assim se contra-arreste o fato de que o país retirou de seu pensum de formação acadêmica a história da Colômbia. Se não se conhece o que ocorreu na pátria nos últimos cinquenta ou sessenta anos, não se pode criar uma consciência e uma cultura de paz.
  1. Que o senhor Presidente conheça de maneira detalhada o referido documento denominado Contribuição ao Entendimento do Conflito Armado em Colômbia [Comissão Histórica do Conflito e suas Vítimas], de fevereiro de 2015, e convide seu gabinete ministerial e funcionários com capacidade de decisão a que se ocupem de sua leitura e estudo.
  1. A integração imediata pela Mesa de uma comissão de avaliação dos resultados do informe e do estudo dos alcances para a paz, da responsabilidade do Estado. Urge fazê-lo para estabelecer precisamente responsabilidades jurídico-políticas derivadas de seu consolidado conteúdo.
  1. A integração imediata de uma comissão que conduza ao cumprimento do sub ponto 7 do ponto 3 da Agenda sobre terminação do conflito que diz assim: “7. No marco do estabelecido no Ponto 5 [Vítimas] deste acordo se esclarecerá, entre outros, o fenômeno do paramilitarismo”. A comissão que se crie para informar sobre o fenômeno do paramilitarismo deve ser integrada na próxima rodada sem prorrogação alguma.
  1. Não se deu um processo de paz no mundo no qual não se tenha conhecido a verdade do ocorrido antes da firma do acordo final, para o qual, sem exceção que se conheça, se abriram previamente os arquivos dos diversos regimes. Por isso, pensando nas vítimas e no direito nacional e individual à verdade, solicitaremos todos os dias e seguiremos insistindo a cada vez que nos encontremos com os plenipotenciários do governo em que se abram os arquivos. Se devem dar a conhecer as atas dos conselhos de ministros que desde os anos vinte do século passado são guardadas em segredo, como se a história fosse necessária ocultá-la para que não se julgue. Que se abram os arquivos da polícia secreta, dos agentes de inteligência do Estado [SIC, DAS, força pública em geral, Ministério de Guerra, hoje de Defesa, no relacionado ao conflito interno, e de Governo, hoje do Interior]. Que se abram os arquivos! Pedimos aos plenipotenciários do governo e ao Presidente Santos que, em momentos em que buscamos conjuntamente a paz, não tenham temor à verdade. Que se abram os arquivos.
SECRETARIADO DO ESTADO-MAIOR CENTRAL DAS FARC-EP

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