sexta-feira, 17 de abril de 2015

No Panamá o Imperialismo levou uma descomunal surra

por Carlos Aznárez

Para Mister Obama a Cúpula panamenha se transformou num abismo. Ou, em outras palavras: o tiro lhe saiu pela culatra. Dentro de seu estilo habitual, o Império supôs que, ameaçando a Venezuela, o restante dos países se submeteria a seu mandado e, como esteve ocorrendo durante décadas [quando se impunha a doutrina do “quintal”], aceitariam sem vacilar a reconvenção de Washington. Ocorreu todo o contrário e, se faltava pôr a cereja na torta, Panamá foi o cenário que deixou as coisas bem claro.
América Latina e Caribe repreenderam outra vez ao Tio Sam, puseram-no em evidência como não ocorria desde 2005 em Mar del Plata, quando esse Comandante Eterno dos condenados da Terra gritou para Bush em pleno rosto que a ALCA ele metesse onde quisesse.
No entanto, esta vitória dos povos na Cúpula panamenha adquire inclusive maior importância, já que se produz precisamente num momento de perigosa ofensiva estadunidense sobre o continente. Ao mesmo em tempo que a IV Frota navega em nossos rios, as bases militares pululam por onde se mire, e os planos de ingerência abundam em nossos países com forma de abutres, escutas telefônicas, espionagem de alto nível e manobras militares encobertas. Apesar disso, ou melhor dizendo, em função de enfrentar estas espionagens, alguns governos e povos acorreram ao Panamá com discursos e ações de uma dignidade surpreendente.
A presença de Raúl Castro com seus 56 anos de Revolução Socialista na mochila, sentando-se novamente numa mesa da qual Cuba se retirara há 35 anos, e mostrando que o tempo não passa para aqueles que mantêm em alto os princípios, se converteu no momento de maior conteúdo anti-imperialista. Um Raúl [e um Fidel lá na Ilha] enfrentando muito diplomaticamente a um Obama apequenado. Da outra ponta da mesa, teve que escutar em corpo presente [ainda não tinha fugido] que o bloqueio criminal por ele impulsionado continua causando dor e morte ao povo cubano, que já é hora de que se suspenda incondicionalmente e que, ademais, devolvam, os piratas do balcão e das estrelas, esse território usurpado chamado Guantánamo. Porém, sobretudo, o presidente cubano reiterou [no discurso mais aplaudido da Cúpula] sua defesa irrestrita da agredida Venezuela, lançando pela borda essas hipócritas dúvidas de que, com base na doutrina ianque do “porrete e da cenoura”, criada indubitavelmente para dividir aos povos, Cuba ia dar um passo atrás em sua rebeldia. Não conhecem, os que assim pensam, o que sempre significou para o governo e o povo cubano a solidariedade internacionalista e militante.
Neste mesmo terreno reconfortou a autênticos e estranhos voltar a comprovar o nível de conscientização política e humana que os componentes da delegação cubana mostraram assumindo como própria a representação de todos os que não tiveram possibilidades de participar na Cúpula. Dizendo com voz clara e precisa que com os mercenários e cúmplices do terrorismo anti-cubano não se podia nem se devia dialogar.
Há décadas que Cuba não atuava nestas bagunças montadas com traição pela OEA e gratificou comprovar que os jovens cubanos têm a Revolução à flor da pele e não se deixam amedrontar por armadilhas burocráticas. Por trás deles, unidos como um só homem, os integrantes da delegação venezuelana também puseram em aperto aos que pretendiam fazer uma Cúpula carinhosa com a direita regional.
Foi um luxo também ouvir no encontro de presidentes um Nicolás Maduro que não deixou nada sem dizer, que se “enfureceu” para reclamar de Obama que tire seu nariz da política interna venezuelana, relembrando-lhe que 14 milhões de assinaturas exigindo que “anule o decreto já” não são poucas razões para demonstrar-lhe que suas ameaças caíram no ridículo, que deixe de atuar como uma referência da oposição títere e que atenda as misérias geradas pelo capitalismo em seu próprio país.
Um Rafael Correa que não quis deixar passar a ocasião para alfinetar a Obama que “nossos povos nunca mais aceitarão a tutela, a ingerência, nem a intervenção” e que “chegou a hora da segunda e definitiva independência” da América Latina.
Um Evo Morales que, de maneira inabitual nele, preferiu ler seu discurso precisamente para não se esquecer de nenhum ponto nem uma vírgula no relato de violências cometidas pelos Estados Unidos contra o Terceiro Mundo. “Deixe de usar o medo, as políticas de terror, os condicionamentos de toda natureza, deixe de se comportar como império”, sentenciou o líder indígena boliviano.
Frente a este embate conjunto de presidentes que representam a seus povos, Obama preferiu retirar seu corpo da mesa e não ouvir as verdades que lhe atiravam como dardos. Foi tão grosseiro em sua descortesia protocolar que a própria presidenta Cristina Kirchner ironizou sobre o tema, assinalando: “Não sei se estará presente o presidente Obama ou se terá se retirado, não consigo ver, teria que pôr os óculos e não estou a fim, não está. Não importa, alguém contará pra ele”.
Porém, se faltava algo, a estocada mais afiada contra o discurso imperial sobreveio nesse âmbito da diplomacia dos povos que foi a Cúpula paralela levada a cabo no Salão Nobre da Universidade panamenha. Ali, onde se relembrou com memória fértil e não pouca dor as milhares de vítimas do bombardeio e da invasão norte-americana de 1989, aos quais o presidente Maduro homenageou visitando, junto com familiares e militantes panamenhos, o histórico e combativo bairro de Los Chorrillos.
A Cúpula dos Povos foi o cenário real do que ocorre no continente. Ali se falou de independência, de soberania, de lutas contra a mega-mineração e os agrotóxicos, da maldade que significa o bloqueio de cinco décadas a Cuba e a dominação imperial a Porto Rico.
Também se pôde ouvir, já mais em família, a Evo, Correa, Maduro, compartilhando numa ida e volta sem papas na língua, o importante que se tornou esta Cúpula para proporcionar uma descomunal surra aos senhores de Washington. Evidentemente que aqui, sim, houve declaração final de forte conteúdo anti-imperialista e pela paz, o que lamentavelmente não ocorreu na Cúpula oficial devido a manobras concessivas com o Império, que, indubitavelmente, se produzindo, ia sair duplamente machucado.
O dito, Obama e sua representação de um Império que não é invencível ficaram pateticamente expostos no Panamá. Se poderão inventar todas as teorias e mentiras que desejem [para isso sempre contam com os meios de comunicação corporativos que cobriram a Cúpula ao gosto de seus amos], tentarão inclusive autoconvencer-se de que são certas suas próprias palavras, de que “as relações EUA-América Latina é a melhor em décadas”, porém não enganam a ninguém. Mais ainda: com certeza, nos próximos meses se aprofundarão as iniciativas de aproximação com Cuba e inclusive com Venezuela, produto da mudança de táticas do Império frente a estas surras que está sofrendo na batalha de ideias, mais a reprimenda organizada de nossos povos.
Obama e seus rapazes tentarão minimizar as avarias sofridas em seu veículo blindado [e artilhado] no choque contra o rejuvenescido trem latino-americano, porém os fatos falam mais que as palavras. Desta vez perderam, digam o que digam. Agora falta ir com tudo pra adiante para que suspendam o bloqueio a Cuba e anulem o decreto ameaçador contra Venezuela. É o que nos devem, entre tantas agressões produzidas.
Por outra parte, a alegria de hoje não significa que haja que baixar a guarda: o Império e o capitalismo são perversos por definição e voltarão a passar ao ataque, porém repito: objetivamente, o Panamá se converteu conjunturalmente na tumba de sua prepotência e do discurso intervencionista. Pela segunda vez nestes últimos dez anos, se lhe pôde dizer ao Império que a “América se respeita”, e isso não é pouca coisa.
Um parágrafo final para a mobilização popular latino-americana que acompanhou esta esplendorosa atividade da Pátria Grande: ali estão as numerosas Tribunas Anti-imperialistas que se realizaram em vários países em coincidência com o evento panamenho. No Brasil, em El Salvador, no México e até na Europa. Ou aqui, simplesmente, nesta sexta-feira passada em Buenos Aires, onde diversas organizações populares argentinas acamparam durante horas frente à embaixada ianque, repudiaram ao Império USA e ao britânico, se solidarizaram com Venezuela Bolivariana e Cuba, e entre gritos e palavras de ordem tocaram fogo numa bandeira norte-americana, simbolizando nesse gesto toda a descomunal repreensão que o acionar de Obama e seus acólitos suscita.

Tradução de Joaquim Lisboa Neto
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