sábado, 4 de abril de 2015

FARC-EP: «É mais fácil dialogar entre os que estiveram no campo de batalha»

Carlos Antonio Lozada é integrante do Secretariado das FARC-EP e chefe da Subcomissão Técnica designada pela delegação de paz da guerrilha que, junto a altos cargos militares, analisa o fim do conflito armado e sua desescalada.
Carlos Antonio Lozada, membro do Secretariado das FARC-EP, está encarregado da Subcomissão Técnica nomeada pela delegação de paz para analisar junto a altos cargos militares o fim do conflito armado. E, junto ao general e delegado do Governo Oscar Naranjo, integrará o grupo de referência que, em parceria com as outras duas estruturas acordadas pela Mesa de conversações na sexta-feira passada, deverá iniciar os trabalhos de limpeza e descontaminação de minas antipessoa, artefatos explosivos improvisados, munições sem explodir e restos explosivos de guerra. Este plano piloto começará a ser aplicado nos estados de Antioquia e Meta.
Lozada, quem viveu em carne própria os bombardeios contra acampamentos da guerrilha, assegura, em resposta ao questionário remetido por GARA via e-mail, que a presença em Havana de destacados militares «é decisiva» e que «é mais fácil o intercâmbio entre aqueles que estiveram enfrentados no campo de combate e falam uma mesma linguagem»
A suspensão dos bombardeios durante um mês aplana o caminho para um cessar-fogo bilateral?
A decisão do presidente Juan Manuel Santos de suspender por um mês os bombardeios aos acampamentos das FARC-EP, prorrogável se assim o considera, tem mais um sabor de chantagem que de outra coisa. Não se trata de um gesto humanitário, nem de desescalada do conflito, como foi qualificado por alguns meios de informação. Durante o ciclo 33 das conversações, as FARC apresentaram ante os países garantidores um documento onde se detalham 15 gestos unilaterais de paz realizados com um claro sentido humanitário, entre os quais podemos mencionar a suspensão definitiva das retenções com fins econômicos; a libertação do general Alzate e a de vários soldados capturados em combate; a entrega ao CICV de menores de idade adestrados pelas Forças Armadas oficiais para infiltrá-los na guerrilha com o objetivo de assassinar comandantes e realizar ações de sabotagem. Estes fatos, que deveriam ser respondidos com reciprocidade por parte do Governo, têm sido desconhecidos e, por outro lado, se nos quer submeter a essa inaceitável chantagem mensal de ameaçar-nos com a retomada dos bombardeios, se as guerrilhas respondem às contínuas operações militares contra suas forças.
Após sobreviver a vários bombardeios, como os descreveria?
Contra nós se tem aplicado o uso desproporcional da força por parte do Estado, o que constitui uma clara violação do Direito Internacional Humanitário, toda vez que a insurgência não conta com aviação ou armamento antiaéreo. Este tipo de ataques, realizados contra as unidades guerrilheiras em horas noturnas, enquanto dormem, ademais de covardia, demonstram o nível de degradação a que chegou a classe dominante colombiana. Apesar da brutalidade dos referidos ataques, temos sabido assimilar os golpes recebidos e adequar sua tática para evitarmos ser surpreendidos. Este tipo de bombardeios indiscriminados gera pânico e terror entre a população, o que, por sua vez, provoca deslocamentos e danos psicológicos irreparáveis, além das consequências sobre o meio ambiente e as espécies animais que caem vítimas da explosão de centenas de quilos de TNT.
A confiança é chave num processo de diálogo. No dia de hoje, é suficientemente sólida para fazer frente a previsíveis incidências?
Um processo de paz é um complexo exercício de tecer confiança mútua entre duas partes que têm estado enfrentadas à morte. Isso torna muito difícil avançar, sobretudo nos inícios do processo; por essa razão, cada passo que se vai dando deve ser avaliado suficientemente pelas partes e cuidado como um patrimônio do processo. A três anos de ter-se iniciado, o processo de Havana tem em seu haver três acordos parciais sobre o tema de desenvolvimento agrário, a ampliação da democracia e uma nova política antidrogas; ademais do recente acordo sobre descontaminação de minas, artefatos explosivos improvisados, munições sem explodir e restos de explosivos de guerra. Tudo isto somado a um saldo positivo que faz com que cada vez seja maior a credibilidade e confiança entre as partes, o que, por sua vez, é um grande ativo para enfrentar os momentos difíceis.
É mais fácil o diálogo entre os que combatem?
A presença de altos oficiais da Força Pública em Havana é um fato sem precedentes em anteriores processos de paz em Colômbia, sua contribuição será decisiva para o êxito do processo e assim o confirma o fato de que nas primeiras reuniões entre combatentes o ambiente reinante é de muito respeito, cordialidade e reconhecimento mútuo. Sem dúvida, é mais fácil o intercâmbio entre os que têm estado enfrentados no campo de combate e falam uma mesma linguagem; ademais, porque o [fato de] ter compartilhado os rigores da confrontação os aproxima e permite, nos momentos de recesso, rememorar situações de guerra onde uns e outros estiveram envolvidos, sem saber que anos mais tarde iriam estar sentados ao redor de uma Mesa de conversações.
Vê próxima uma Colômbia livre de minas?
O acordo contempla, além das minas antipessoa, os artefatos explosivos improvisados, munições sem explodir e os restos explosivos de guerra; e, como já se disse, é apenas o começo de um processo que, segundo os entendidos no tema, finalizado o conflito, deve levar-nos a que em alguns anos possamos declarar a Colômbia livre deste tipo de artefatos.
Como afrontam as FARC-EP os problemas éticos que o uso de minas gera?
Contra nós se tem descarregado o peso de uma poderosa máquina de guerra que envolve não só o elevado orçamento militar do Estado, como também que inclui a ajuda militar norte-americana, que ascendeu a mais de dez bilhões de dólares nos últimos anos, ao que há que acrescentar assessoramento, informação e todos os avanços tecnológicos com que conta o complexo militar industrial dos Estados Unidos e Israel. A essa força descomunal temos enfrentado com os exíguos recursos de uma guerrilha proletária, incluído o armamento popular. O antiético e inumano é lançar semelhante desproporção de meios contra um povo que o único que clama é paz com justiça social, democracia e soberania. A rebelião armada não é só um direito, é também um dever dos povos subjugados.
Como avalia o fato de que guerrilheiros, sem uniforme, e militares trabalhem conjuntamente no desminado?
Esse fato, que em breve será uma realidade em Colômbia, mostra a maturidade que o processo de Havana vai alcançando.
Pode esta cooperação ajudar a assentar as bases de uma futura reconciliação?
Sem lugar a dúvidas, que as partes que têm estado enfrentadas por mais de 50 anos possam se pôr de acordo para trabalhar conjuntamente num mesmo propósito humanitário, sem ter concluído ainda o conflito, é um sinal muito promissor do que pode chegar a ser o reencontro da família colombiana. Nesse propósito, as FARC-EP apostam todos os esforços.
Propuseram a criação de uma comissão integrada por guerrilheiros, militares e pessoal do CICV para buscar os caídos em combate. Que acolhida teve esta proposta?
Lamentavelmente, até o momento não conseguimos acordar com a delegação governamental os termos para a construção deste acordo humanitário que permitiria aliviar a dor de muitas famílias de militares e guerrilheiros que não puderam dar sepultura digna a seus seres queridos. Esperamos que em breve possamos dar essa boa notícia.
Como se passa para um cenário de paz após um conflito caracterizado por massacres, torturas, esquartejamentos...?
Se chegando a um acordo definitivo, este será só o começo de um longo processo histórico, em que o povo terá que encontrar as formas de sanar suas feridas e que deve começar por realizar as transformações estruturais que deram origem ao conflito. A paz não será possível se, ademais de verdade, justiça e reparação integral, às vítimas não se lhes brindam garantias de não repetição, e isso só é possível se os acordos apontam em direção a superar as causas econômicas, políticas, sociais e de dependência que deram origem ao enfrentamento armado. Ali está o segredo para poder virar essa dolorosa página.
Expertos em resolução de conflitos, como o britânico Jonathan Powell, afirmam que devem ser tomadas «decisões difíceis e impopulares»O líder republicano Gerry Adams confessou em suas memórias que «a negociação mais dura é a que faz alguém com os seus».Compartilha estas reflexões?
A essas reflexões, por demais válidas, poderíamos acrescentar que sempre será mais difícil fazer a paz que continuar a guerra. Durante os primeiros intentos por encontrar uma saída política ao conflito, um comissionado do Governo, pioneiro destes esforços, o doutor John Agudelo Ríos, quem já faleceu, cunhou uma frase que as FARC adotamos como própria, porque sintetiza de alguma maneira a complexidade destes processos. Dizia que umas conversações de paz se parecem com a arte de enfileiras pérolas no mar.
«As vítimas não pedem vingança»
As FARC propuseram um «perdão coletivo social e político» e asseguram que não aceitarão um acordo que implique um só dia de cárcere. Estão as vítimas dispostas a dar esse passo?
São mais de 60 as propostas que formulamos relacionadas com o tema vítimas, ao que haveria que acrescentar outras 140 apresentadas pelas vítimas em distintos fóruns e nas audiências com as delegações em Havana. O denominador comum foi a exigência às partes de continuar adiante com o processo até sua culminação exitosa para evitar novas vitimizações; porém também para garantir a não repetição. Não houve em nenhum momento um só pronunciamento que pedisse vingança ou algo parecido; todo o contrário, a característica de todas as intervenções foi a generosidade que brota de corações que têm padecido a dor de uma longa e cruenta guerra. Porém, ademais, as audiências serviram para estabelecer as múltiplas responsabilidades dos distintos setores da sociedade colombiana nesta tragédia. Essa realidade é a que dá sustento a nossa proposta de chegar a um grande ato público de reconhecimento e perdão coletivo social e político, como um primeiro passo em direção à reconciliação nacional e à dignificação das vítimas. Não se trata de reduzir este ponto da agenda ao tema de castigo e mais exatamente de cárcere para uma das partes do conflito. O Estado não pode pretender ser juiz e parte; menos ainda quando a justiça em Colômbia chegou a um estado de prostração frente às máfias e à corrupção. E acrescentamos: sendo a rebelião um direito reconhecido pela ONU, não estamos dispostos a ir para o cárcere por termos feito uso legítimo desse direito. A. LERTXUNDI

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Equipe ANNCOL - Brasil







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